É uma cidade tão grande, tão interessante, tão diversa que é até difícil organizar para comentar.
Um passeio delicioso é pelo descolado bairro Scheunenvietel, ou Bairro do Celeiro. A Hackescher Markt é uma animada praça no centro do bairro que foi povoado por judeus a partir do século 19. É desta época a estação do metrô, super bonitinha. Hackesche Höfe é um conjunto de nove prédios do começo do século 20, em estilo art nouveau, com pátios conectados. A área foi restaurada e está muito charmosa, com galerias de arte, restaurantes, cinemas, cafés, livrarias. Ou seja, tudo que há de melhor.
Para descobrir lugares charmosos e fugir do tradicional, vale se embrenhar por ali. Toda a redondeza é bacana e cheia de lojas despojadas, com coisas bem diferentes.
No chão das ruas há placas sinalizando onde moravam pessoas que foram deportadas e assassinadas durante o Nazismo. Tem o nome, as datas de nascimento, deportação e morte e o campo para onde foram.
São por ali também os museus da
Anne Frank e do Otto Weidt, um deficiente visual que empregava judeus cegos e surdo-mudos, protegendo-os da deportação.
Além de um sem-fim de galerias de arte, Berlim é o paraíso dos grafites. Ou melhor, da arte de rua: grafites, stencils, adesivos... As fachadas se transformam em telas e há coisas espetaculares.
Percebe-se também uma nostalgia com as coisas da Berlim Oriental, como o Ampelmann - o homenzinho no sinal - e o Trabant - carrinho com carroceria de plástico produzido na antiga Alemanha Oriental (DDR), entre 1957 e 1991.
Berlim tem muita história, por todo lado. É uma cidade com muita coisa para ver e o melhor jeito é a pé, para não correr o risco de passar direto e perder lugares interessantes. A maior parte dos lugares marcantes da história recente alemã estão entre o bairro Mitte e o parque Tiergarten, ou seja, na antiga Berlim oriental. A Alexanderplatz era o coração da antiga Berlim Leste e lá estão a prefeitura e a Torre de TV, que tem um mirante.
No centro do enorme Tiergarten, que era usado como campo de caça pelos reis da Prússia, está a Coluna da Vitória. Para quem assistiu o filme Asas do Desejo, de Wim Wenderes, era aquela coluna bem alta com um anjo dourado no topo. Seguindo pela avenida central, chega-se no famosíssimo Portão de Brandenburgo. É a única das entradas da cidade que restou e ali passava o Muro de Berlim.
É onde começa a avenida Unter den Linden, que é bem aquela que aparece nos filmes sobre nazismo com os grandes desfiles. Lá perto, um monte de coisas. A Universidade Humboldt, a Ópera e o parlamento - Reichstag. Muito legal saber que nesta universidade estudaram Marx, Einstein, os irmãos Grimm... Além disso, são prédios bonitos de se ver. O Reichstag é espetacular, com sua cúpula de vidro.
Não muito longe, está o Memorial do Holocausto e seu labirinto de blocos de concreto. Fica pertinho de onde era o bunker do Hitler, mas agora não tem nada lá. Imagino que seja de propósito, para não incentivar o assunto.
A Potsdamesr Platz foi destruída na Segunda Guerra e virou uma terra de ninguém bem na fronteira entre Berlin leste e oeste. Depois da queda do muro, recebeu o investimento de grandes empresas e um grande centro da vida noturna, com cinemas, restaurantes e teatros, foi construído do nada. Seu visual futurista é muito interessante, especialmente por estar lado a lado com o que restou do Hotel Esplanade, luxuoso ícone dos anos 20. E as ruínas assumem um ar vanguardista com a iluminação colorida semelhante à do Sony Center. Esta conjugação de moderno e antigo é muito legal. E está por toda Berlim, ainda que não tão evidente.
A Topografia do Terror é uma exposição muito bacana, com fotos e documentos sobre o regime nazista. Fica no local onde funcionavam os quartéis generais da Gestapo e da SS. Ao seu lado, está um pedaço do muro.
O muro, por sinal, está em vários lugares. Alguns fragmentos estão na Potsdam Platz, um trecho foi transformado na East Side Gallery e um grande número de fragmentos são vendidos todos os dias nas lojinhas de souvenirs. Incrível é que o povo compra! E tem alguns até com certificado de autenticidade. Comédia... Há, também, uma linha de paralelepípedos sinalizando o local por onde passava o muro.
Checkpoint Charlie era um dos controles de passagem entre os dois lados do muro, no setor americano da cidade. Foi o que ficou mais famoso e enche de turistas posando para fotos ao lado dos soldados fantasiados. É um programão bem de turista, bobo demais, mas é impossível não passar por lá. Está bem no meio de uma zona com muitas coisas interessantes.
Fica lá perto a Bebelplatz - local da primeira queima de livros durante o regime nazista, em 1933. Atualmente tem um vidro no chão, mostrando estantes vazias. Adeus Thomas Mann, Heinrich e Marx...
Seguindo pela Unter den Linden chega-se na Ilha dos Museus (Museumsinsel), no rio Spree. Lá estão cinco museus (Altes Museum, Neues Museum, Pergamon, Bode e AlteNationalgalerie) e a Catedral Luterana (Berliner Dom). E é dali em frente que saem os barcos para um dos passeios mais legais de Berlim.
13 Euros é o preço do ingresso para o passeio de barco que dura mais ou menos uma hora e tem audio-guia explicativo em várias línguas. É um passeio fantástico, porque você vai sentadinho e vendo tudo, com explicações históricas, de um ângulo diferente e encantador. Começa a fazer sentido a expressão "as praias de Berlim". Imperdível!
São muitos museus e galerias e é preciso um planejamento adequado para não perder tempo. Mas claro que não dá para ver todos em uma única viagem, é preciso escolher. E depois, voltar...
O Pergamon acho que é unanimidade, porque é muito bom mesmo. O altar do templo de Atenas da cidade turca de Pérgamo dá nome ao museu, mas não foi o que eu mais gostei. Fiquei encantada com os tijolos azuis e os leões em alto relevo da Porta de Ishtar. E também com a fachada do palácio do califa, da Jordânia - Mschatta Wall. O portão do Mercado de Mileto é gigante, assim como o próprio altar do templo de Pérgamo. O friso de esculturas do templo está todo montado no museu. E ainda tem o interior de uma casa na Síria, mosaicos, tapetes e altares de mesquitas... Realmente um show!
Enquanto o Pergamon é reservado para a arquitetura, o Altes Museum se dedica à arte antiga da Grécia, Roma e Etrúria. Juntos formam a Coleção de Antiguidades Clássicas.
No
Neues Museum, o grande destaque da coleção de artefatos do Antigo Egito e Pré-História é o busto de Nefertiti. Lindo, lindo! Achei um artigo delicioso sobre o
Neues Museum. Vale a pena ler e saber mais.
O Bode Museum abriga arte bizantina, Idade Média, Gótico italiano e uma enorme coleção de moedas e medalhas.
A coleção alemã não deixa nada a dever ao Louvre ou ao Museu Britânico. Na verdade, penso que não deve ter sobrado mais nada da antiguidade pelo mundo. Está tudo lá.
Fora da Ilha dos Museus, tem ainda o Museu Alemão de Tecnologia, a Neue Nationalgalerie, o Museu Nacional, um museu particular em Checkpoint Cralie, o Museu da DDR, o Markisches e um monte de outros, inclusive uma filial do Madame Tussauds. Eu, particularmente, não curto. O que acho que vale a pena é o
Museu Judaico. Não apenas pela apresentação da história dos judeus da Alemanha da Idade Média até os dias atuais, mas pelo
incrível projeto arquitetônico.
Embora seja em Berlim Oriental que as coisas aconteçam hoje, o lado Ocidental é mais chique. Na suntuosa avenida Kurfürstendamm, ou simplesmente Ku'Damm, estão todas as grifes do mundo e alguns magazines com preços mais acessíveis, como Zara e H&M. E logo ali, a famosa KaDeWe - a segunda maior loja de departamentos da Europa, depois da Harrods de Londres. Igualmente linda, igualmente cara. Se quiser desfrutar do ambiente de glamour, há um self-service no último andar. São dezenas de opções saborosas e um monte de turistas alucinados. Eu, confesso, tive vontade de sair correndo.
Atualmente estão na Ku'Damm os
"Buddy Bears". Pintadas por artistas de todo o mundo, a ideia é que cada escultura ressalte uma característica emblemática do país de origem do artista.
No final da avenida, fica a Kaiser-Wilherlm-Gedächtniskirche, igreja símbolo da Berlim Ocidental que foi bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial. Logo em seguida já está o Tiergarten, com seus mais de 150 mil metros quadrados bem no meio da cidade.
A Estação Central de Berlim (em alemão Berlin Hauptbahnhof ) é linda, além de gigante.
O transporte em Berlim é tranquilo. Os ônibus 100 e 200 circulam por todas estas áreas: atravessam o Tiergarten, passam na frente do Reichstag e do setor governamental... O Tagenkart é um cartão que vale para o dia inteiro, em qualquer meio de transporte.
Potsdam fica bem perto de Berlim e é um passeio agradável, com o bairro holandês, o Neues Palais e os jardins do Palácio de Sanssouci - residência de verão de Frederico da Prússia. Seus jardins, com estátuas e fontes, são Patrimônio da Humanidade. Numa área em terraços, foram plantadas uvas e construídos nichos fechados com vidro para o cultivo de figos. Um luxo, não?
Com a reunificação de Berlim, em 1990, vieram à tona duas realidades sociais e econômicas, que ainda podem ser notadas. O lado oriental recebeu grandes investimentos e está com muitos prédios modernos, de arquitetos famosos, além dos antigos, recuperados. O lado ocidental é uma cidade européia normal, com o Tiergarten no meio. Mas já não existem mais lados, é uma só cidade. Única. Como ainda é jovem - esta nova Berlim só tem 20 anos -, tem um caráter muito peculiar. É um lugar em movimento, construção e reconstrução. Há a metrópole futurista e a Berlim histórica. É uma cidade multifacetada, reflexo das muitas convulsões da historia alemã.
E é movimentada culturalmente também! Com óperas, orquestras, teatros. Depois da queda do muro, os edifícios destruídos durante a guerra e que nunca tinham sido reconstruídos, no centro da cidade (a parte ocidental da Berlim Leste), foram palco de vários movimentos de contracultura e cultura underground e alguns viraram clubes noturnos.
A verdade é que Berlim agradou demais. Merece ser visitada com calma. É preciso conhecer as muitas histórias que tem a contar e as mensagens que é capaz de transmitir. Ela é tudo o que se tem dito e muito mais.
Também come-se muito bem por lá. A salsicha é o alimento mais popular da Alemanha. São de vários tipos e estão em todo lugar. A especialidade de Berlim é a salsicha ao curry - Currywurst, que é servida com batatas fritas ou com pão. Mas até nas barraquinhas de rua a gente acha vários tipos: Bockwurst, Brühwurst, Bratwurst, Frankfurter... Não encontrei nenhuma que não fosse gostosa.
No excelente restaurante
Zum Patzenhofer (Meinekestrasse 26), nós experimentamos Cordon Bleu Pork, Farmer's Cutlet, camembert empanado e Patzenhofer Pfanne. Todos ótimos.
As cervejas também não deixam a desejar. Gostamos da Berliner Kindl Jubiläums e da Berliner Pilsener. As cervejarias típicas, ou biergarten, são bem bacanas. Com pátios e jardins, além da grande seleção de cervejas, é óbvio, tem acompanhamentos tradicionais como salsichas e o famoso eisbein - joelho de porco defumado.
A
Kamps é uma padaria e confeitaria que minha amiga Adriana me recomendou. Tem várias filiais, pães maravilhosos e uma torta de frutas de chorar de tão boa.
Quem se interessou por Berlim e sua história encontra aqui um
artigo interessantíssimo de Bárbara Freitag.
E finalmente, que já ia quase esquecendo de comentar, achei o máximo os encanamentos coloridos que ficam suspensos em algumas partes da cidade. Não descobri o motivo exato... Uns dizem que são usados em regiões onde o solo não permite a passagem das tubulações, outros falam que a cidade é úmida demais (quase um pântano?) e seriam canos de drenagem desta água excessiva. Vai saber?! Só sei que gostei.